segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Bagaço da Cana


Onarileva Laupa

O mundo ainda comentava o massacre em Realengo no estado do Rio de Janeiro, quando um ex-aluno, supostamente com problemas mentais ou com sede de vingança, na manhã de quinta-feira conseguiu entrar numa escola municipal para matar 12 crianças e ferir outras 12. Em Goiás, outro rapaz tirou a vida de duas irmãs adolescentes, segundo depoimento, por causa de zombaria. Elas o chamaram de caipira fedido. Ambos os casos poderiam estar ligados ao abandono, descaso e a má educação tão presente em nosso meio social.
No bairro nobre de minha cidade, ouviu-se dizer que o padre Galdino pertencente à outra paróquia, seria o encarregado do sermão do domingo. A igreja, considerada a mais bonita da região, desenhada por um famoso arquiteto, não revelava o descontentamento dos dirigentes sacerdotais da região. O povo andava esquecido de Deus. A Igreja estaria excepcionalmente cheia para a reunião estrategicamente especial. Ele havia introduzido na organização religiosa, inovações nunca vistas em toda história mundial da instituição. Por isso, passou a ser recebido com carinho, amado pelos fieis e frequentadores da comunidade. O padre Galdino, depois de Deus e uma noiva, de modo exagerado, era o terceiro centro das atenções.
A poucos minutos da hora marcada para o início da grande reunião, muitos presentes retiravam dos bolsos, seus telefones para observarem os minutos que faltavam. Elegantes relógios de pulso já eram raridade. Lentamente, mais fieis aderiam ao corpo de impacientes. Os que estavam assentados começavam a se inquietar em seus lugares, olhando em todas as direções e principalmente para as portas de acesso ao altar na tentativa de avistar o padre Galdino. Havia conversas paralelas em voz baixa por toda a igreja. Essa impaciência adicionada ao desconforto veio a tomar maiores proporções, depois que o horário de inicio tinha ficado quinze minutos para trás.
As pessoas que se produziram, vieram à igreja em conformidade com as regras da sociedade, em geral, deveriam suportar o atraso do prendado padre Galdino.
O inusitado acontece. Um mendigo malcheiroso entra na igreja. Seus cabelos estavam sujos e grandes parecendo que há meses não os penteava. Também exibia uma grande barba com mesmo estado. Os de pouca noção achavam se tratar monólogo sobre os apóstolos de Jesus Cristo. Os pés descalços fazia outro rapaz que cursava a faculdade pensar que fosse encenação sobre Sócrates, o grande filósofo da antiguidade.
O maltrapilho andou entre os fieis para lá e para cá entrada por minutos. Notava-se a expressão de nojo e desprezo das pessoas. A todo o momento, pedia esmola estendendo as mãos pretas de tanta sujeira, resmungava alguma coisa imperceptível. Alguns adultos e crianças o evitavam deixando transparecer suas “caras feias” pelo que sentiam do estado deplorável do homem. Ele andou livremente em direção ao altar. E para espanto de todos foi mais à frente e tomou o microfone do pedestal desajeitadamente. Estranhamente, no momento, não apareceu nenhum pessoal da segurança, polícia ou alguém preocupado em proteger a integridade do povo presente e o patrimônio da igreja, caso interessasse causar danos morais, escândalo ou coisa parecida.
Então, passou a mão pelo cabelo e puxou a peruca fora da cabeça. Para a surpresa de toda igreja, descobriram que aquele homem aparentando esfarrapado, era na verdade o padre Galdino. Os fieis sem compreenderem o que estava acontecendo, se olhavam uns aos outros.
Padre Galdino resolveu falar:
-Meus irmãos. Culpamos a nós mesmos, à medida que carecemos de ações imediatas, revelando em nós incompetência e irresponsabilidade. Grandes tragédias facilmente poderiam ser evitadas. No entanto, batem palmas às falsas amizades, reforçadas agora, pelas maravilhas tecnologias atuais e vindouras, criadas sem sentimento algum. Existe sim, evolução nas relações demonstrada por poucos; enquanto o bagaço contiver o caldo, a cana de açúcar será pressionada no engenho até a retirada de toda a dignidade que vai alimentar vida de outros. A miséria não significa apenas a consequência dos que não tiveram oportunidade ou nada conseguiram. Esse mal que começa na mente e no coração, é tratado como um modelo de inspiração do artista pintor, poeta. Pelo romancista sem compromisso com a verdade humana. Essas manifestações deveriam antes ser antes de tudo, um modo de denunciar a raiz do problema que nasce no âmago da família. As razões que destroem o nosso interior tão silencioso, desunem lares e vidas, continuando emergir interesses próprios...
O padre Galdino continua:
-O que acabaram de assistir não é uma encenação do bagaço humano, mas a apresentação de um símbolo ambulante do produto da desigualdade e indiferença social, reflexo de nossos maus pensamentos. O tipo que se conforma com a condição imposta, enquanto escondido talvez em seu quarto e vazio e acomodado, em alguma parte do mundo, na oficina da maldade, reside o silêncio tenebroso, maquiavélico, em meio a mesma escuridão mental, o cultivo do ódio e declaração de guerra contra os sistemas e costumes sociais, hostilizando inocentes. Não haverá mudança para melhor se deixarmos de introduzir, em nós mesmos, novos conceitos. Meus irmãos, quando acordarmos, as atitudes serão nosso banho, o adorno imaculável e seremos dignos e dizer que estamos fazendo algo. Oremos.
Nesse momento, todos se levantam para começar a reunião.

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