segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A TESE DO COELHO

Num dia lindo e ensolarado, o coelho saiu de sua toca com um caderno, e pôs-se a trabalhar, concentrado. Pouco depois, passou por ali numa raposa e viu aquele suculento coelhinho tão distraído que chegou a salvar. No entanto, ela ficou intrigada com a atividade do coelho e aproximou-se, curiosa:

- Coelhinho, o que você esta fazendo aí, tão concentrado?

- Estou redigindo a minha tese de doutorado – disse o coelho, sem tirar os olhos do trabalho.

- Hummmm... e qual é o tema da sua tese?

- Há, é uma teoria provando que os coelhos são os verdadeiros predadores naturais das raposas.

A raposa ficou indignada:

- Ora, isso e ridículo! Nós é que somos os predadores dos coelhos!

- Absolutamente! Venha comigo à minha toca que eu lhe mostro minha prova experimental.

O coelho e a raposa entraram na toca. Poucos instantes depois se ouviram alguns ruídos indecifráveis, alguns poucos grunhido e depois... silêncio. Em seguida, o coelho voltou sozinho, e mais uma vez retornou aos trabalhos de tese, como se nada tivesse acontecido. Meia hora depois, passou um lobo. Ao ver o apetitoso coelhinho tão distraído, agradeceu mentalmente à cadeia alimentar por estar com o seu jantar garantido. No entanto, o lobo também achou muito curioso um coelho trabalhando naquela concentração toda e resolveu saber do que se tratava aquilo tudo, antes de devorar o coelhinho:

- Olá jovem coelhinho! O que o faz trabalhar tão arduamente?

- Minha tese de doutorado, seu lobo. É uma teoria que venho desenvolvendo há algum tempo e que prova que nós coelhos, somos os grandes predadores naturais de vários animais carnívoros, inclusive dos lobos.

O logo não se conteve com a petulância do coelho.

- Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Coelhinho! apetitoso coelhinho! Isso é um despropósito. Nós, os lobos, é que somo os genuínos predadores naturais dos coelhos. Alias, chega de conversa.

- Desculpe-me, mas se você quiser posso apresentar a minha prova experimental. Você gostaria de acompanhar-me à minha toca? – convidou o coelhinho.

O lobo não conseguiu acreditar na sua sorte. Ambos desapareceram toca adentro. Alguns instantes depois, ouviram-se uivos desesperados, ruídos de mastigação e silêncio. Mais uma vez, o coelho retornou sozinho e, impassível, retornou ao trabalho de redação de sua tese como se nada tivesse acontecido.

Dentro da toca do coelho, via-se uma enorme pinha de ossos ensanguentados e pelancas de diversas ex-raposas e, ao lado dela, outra pilha ainda maior de ossos e restos mortais daquilo que um dia foram lobos.

No centro das duas pilhas de ossos, um enorme leão, satisfeito, bem alimentado, palitando os dentes, disse ao coelho:

- Não falei? Não importa quão absurdo seja o tema de sua tese, não importa se você não tem experimentos nunca cheguem a provar sua teoria; não importa nem mesmo se suas ideias vão contra o mais óbvio dos conceitos lógicos; o que importa é quem está apoiando sua tese.


Fonte: “As Parábolas na Empresa” por Alexandre Rangel – Editora Leitura

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Achados da Linha de Pensamento



Zé Maluco. Assim era chamado. Na verdade não possuía nenhuma confusão mental e nunca se metera em rasgar uma nota de 100 reais. Fizeram até um teste com o coitado. Quando se apoderou do valor que vira somente pelo visor de um caixa eletrônico, saiu correndo. Não chamaram a polícia porque, no momento, lembraram que Zé Maluco era só um pouco maluco.
No último recebimento do seu salário mensal, se deparou com vários descontos e pensou que era hora de ficar doido de vez. Foi só um pensamento ridículo, porque os vindo de seus nobres conceitos, mesmo os formados pela educação rígida estavam reservados para os instantes especiais, tão especiais que era preciso estar bem longe de onde todos se encontravam.
Uma vez, quando sentado numa pedra na maior tranquilidade observou a viatura da polícia vindo pelo caminho usado como atalho pelas pessoas a pé e a cavalo, motoqueiros e pelos carroceiros. Sabia que situação não era nada boa, apesar de que eram apenas procedimentos de segurança. Alguém desconhecido teria ligado para o número 190. Ao parar desceram três militares mais ou menos bem armados com fuzis. Eles se afastaram uns dos outros como estratégia. Zé Maluco ficou cercado. Ele afastou-se do lugar onde estava sentado, enquanto dois deles se pararam e ficaram as armas com os canos apontados ao chão. Um dos militares veio e fez busca no corpo dele. Depois, perto do local onde Zé Maluco estava antes, não encontrando nada estranho. Logo após pegou seu documento de identidade e foi conferir algo na viatura com o militar que ficou ao volante. Quando voltou perguntou o que estava fazendo ali. Respondido, o militar fez outra pergunta:
-Você sabe que esta área é um local que já houve tentativa de estupro?
-Já ouvi falar.
-Pois é. Não deveria estar aqui.
-Desculpe-me. Estou com uns problemas em casa e resolvi vir para cá para esfriar a cabeça.
Naquele local não havia beleza alguma. Servia de passagem de trens e pessoas que atravessavam a ferrovia indo de um bairro para o outro. Os trens também ficavam ali por algum tempo estacionados e depois seguiam viagem.
Zé Maluco não pensava em suicidar-se algum dia. Ouvia histórias de pessoas que pulavam na frente das pesadas máquina. Era uma demonstração de egoísmo e de falta de amor pela vida; Aproveitava melhor o local, quando o conjunto de linhas férreas estava desocupado. Era o instante de suas mais íntimas reflexões sobre sua vida. E o tempo ali parecia que não ia passar. Às vezes ficava andando seguindo a linha. Depois do ocorrido com os militares, passou a fazer isso, todas as vezes que avistava as pessoas para não chamar a atenção.
Revia mentalmente os problemas e procurava uma ideia para servir de solução. Alguns o faziam chorar como criança. Raras vezes chorava perto das pessoas. Pedia a Deus sabedoria, cada vez mais a mansidão, saúde sempre. Esperando por Ele, aos poucos tinha certeza que ia concretizar os planos projetados. Ao mesmo tempo sentia que a idade avançava, o tempo encurtava diante da missão quase impossível de ajudar e sobreviver. Praticava o ato de colocar para fora de casa, cigarras e besouros que corriam o riso de vida por estarem ali. Geralmente ninguém suporta insetos invasores, mas as baratas estão sempre lá para serem exterminadas desde o tempo dos dinossauros, provocando prejuízos ao nosso orçamento doméstico. Zé Maluco nunca via uma nota de 50 reais roída por baratas. Era maluco por sua vida, talvez por seus semelhantes, pelos que eram humilhados por terem apenas obrigação para oferecer a um Deus. Alguns o tratavam como se fosse um pó que precisava sumir de vez pela força do vento.
Olhando a linha de trem, novos pensamentos e novas ideias brotavam como uma semente que germina no deserto. Havia um rejuvenescimento, reforçando a esperança que havia como ele. Lembrava sempre que a rotina não dava oportunidade quando queria resolver situações pequenas. São elas que derrubam uma pessoa. Altura não quer dizer nada quando o perigo está embaixo. Fundações mal feitas não suportam a parte oponente da construção.
Outro dia, caminhando ao longo da via ferra, encontrou algo deixado, não propositalmente, pelos trabalhadores da manutenção. Eram partes que desconhecia as funções. Os objetos esquecidos representavam para si muito mais que coisas insignificantes e descartáveis. Era a pedra fundamental à liberdade. Deixaram de prestar ao padrão ao qual foram designadas a servir. Estavam livres para outros objetivos. Não precisavam mais suportar toneladas passando diariamente por cima de seus corpos. Qualquer coisa diferente encontrada pelo Zé Maluco fazia sua alegria voltar. Sua linha de pensamento era diferenciada criada por si mesmo. Naquele local ele se encontrava. Poucos se atreveriam a ir mesmo caminho. Outros afirmariam, de tão cegos, que ser mentecapto é um dom dado por Deus àqueles que contam somente com a sorte. Assim prosseguia vivendo ao seu modo como se tudo fosse arte.